Imigrantes normalmente têm que conviver com leis do país onde nasceram e do país onde vivem.

Em um cenário de criança menor de idade com múltipla cidadania, não raros problemas surgem onde pais com interesses difusos acabam tomando decisões que são contrárias à lei, em prejuízo do outro pai da criança.

Veja este caso recente.

Uma criança menor de idade nascida nos Estados Unidos, de mãe brasileira e pai americano, ora divorciados e com guarda compartilhada. A mãe levou o menor a passeio para o Brasil com autorização do pai e, sem qualquer aviso, ela decidiu não voltar para os EUA.

O pai entrou com ação pedindo a devolução do filho, tido como sequestrado, por força da Convenção de Haia.

O artigo 12 desta convenção diz que se o processo de devolução da criança for ajuizado menos de um ano depois da transferência ilícita do menor, a autoridade brasileira deveria ordenar o retorno imediato dele.

Existem exceções. O grave risco do menor se sujeitar a perigos de ordem física ou psíquica, ou ficar em uma situação intolerável. Para aplicar a exceção, a autoridade responsável deve considerar informações relativas à situação social da criança.

Na ação do pai, ele demonstrou ter condições de cuidar bem da criança nos EUA, apresentando relatórios de assistentes sociais, perícia psicológica e testemunho da babá da criança.

Já no Brasil, o laudo pericial concluiu que a devolução do menor traria grave risco ao desenvolvimento psicoemocional da criança, em face da problemática relação entre pai e mãe.

A decisão de primeira instância manteve a criança no Brasil com base exclusivamente no laudo brasileiro. Esta decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e, recentemente, confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.842.083/BA. Houve apenas um voto divergente no sentido de que a justiça brasileira ignorou as informações fornecidas pelas autoridades americanas.

A decisão é polêmica e pode gerar um efeito negativo de falta de reciprocidade internacional.

Se o Brasil deixar de cumprir os termos exatos da convenção, outros países acabam por não levar a sério as decisões brasileiras e pensarão duas vezes antes de remeter ao Brasil uma criança retida indevidamente em outro país.

A decisão em comento diz que se passaram dez anos da saída do menor dos EUA e que agora ele tem 13 anos, não sendo recomendável remetê-lo de volta aos EUA, ainda que seja o que manda a convenção.

A relatora do voto vencido já teve a oportunidade de se manifestar a respeito: “…vai sempre valer a pena cometer o ilícito… É tudo demorado. Pode sequestrar a criança que dará certo: o Brasil não cumpre a convenção e o judiciário demora para resolver. Mais fácil seria o Brasil deixar de ser signatário da Convenção de Haia. Se entendermos que morosidade judicial é justificativa, isso nunca será cumprido”.

Este descrédito brasileiro no assunto levou o Conselho Nacional de Justiça a editar a Resolução 449/2022 visando acelerar os processos sobre sequestro internacional de menores.

O episódio é relevante para a comunidade imigrante nos EUA ter ciência dos riscos que envolvem a criação de filhos com pais de múltipla cidadania.

A informação contida neste artigo constitui mera informação legal genérica e não deve ser entendida como aconselhamento legal para situações fáticas concretas e específicas. Se você precisa de aconselhamento legal, consulte sempre um advogado licenciado e membro da organização de classe (The Bar) do Estado onde você reside.