Em 17 de janeiro, dois dias antes do primeiro caso de coronavírus ser identificado em Washington (DC), nos Estados Unidos, Elisa* saía do Brasil. Tentaria a travessia pela fronteira do México para buscar “um sonho”, mas teve seus planos barrados na cidade de El Paso; ficou presa por três meses antes de ser deportada. Só chegaria ao Brasil em 15 de maio, mais de um mês depois de os Estados Unidos se tornarem o país recordista em número de mortes. No dia em que pegou o avião que a deportaria, já eram quase 85 mil óbitos por Covid-19 nos EUA.

Quando foram informadas de que o pai, Leandro*, indocumentado nos Estados Unidos desde 2004, havia contraído coronavírus no trabalho, as filhas, no Brasil, ficaram muito preocupadas. “Fiquei totalmente sem chão, meu pai é asmático, a gente fica pensando no pior”, disse uma delas. Leandro trabalha na construção civil e estava morando com outros imigrantes no condomínio que reformava. Constantemente via ambulâncias buscarem moradores contaminados pelo Covid-19. Houve óbitos, mas os trabalhadores precisavam continuar a reforma. Dos cinco que se ocupavam da obra, três tiveram a doença.

Já Marina* e Arthur* estão indocumentados nos Estados Unidos há quatro anos, quando se mudaram pensando nos dois filhos pequenos, de 8 e 10 anos. “Queria que os meus filhos vivessem a experiência de estar em um país de primeiro mundo para poder ter acesso a boas escolas e uma condição melhor de escolha.” Porém, com a pandemia causada pelo Sars-Cov 2, foram justamente as crianças que preocuparam a mãe: “Tinha medo delas pegarem”.

Com a crise sanitária, impossibilitados de receber o auxílio tanto do governo brasileiro quanto do americano, os imigrantes indocumentados encontram dificuldades para sobreviver nos Estados Unidos – e manter a família no Brasil. Muitos dos que pararam de trabalhar passaram a depender de ajuda para sobreviver; por outro lado, os trabalhadores essenciais, muitas vezes não protegidos por seus empregadores, se tornaram vítimas da doença.

As contas dos hospitais privados – os Estados Unidos não têm um sistema público de saúde como o SUS no Brasil – causam ainda mais receio de se contaminar. “Meu maior medo era adoecer, ter que ir para o hospital e gerar uma conta altíssima”, disse Marina, que parou de fazer faxinas durante a pandemia.

A Agência Pública conversou com imigrantes, documentados e indocumentados, seus familiares no Brasil e voluntários em projetos de auxílio. A maior parte deles de Itambacuri, cidade da região mineira cujo maior expoente é Governador Valadares, a última conhecida por “exportar” imigrantes para os EUA. Os relatos foram de vidas de “incerteza” e “insegurança”, o que se intensificou com o surto de coronavírus.

“[O maior medo] era ter que ir para o hospital”

Marina e os dois filhos pequenos atravessaram a fronteira americana como turistas em 2016, mas já tinham a intenção de estabelecer moradia. Em um apartamento de quatro cômodos na cidade de New Jersey, esperaram por 60 dias a chegada de Arthur, o marido de Marina, que não conseguiu o visto e fez a travessia pelo México, rota adotada por cerca de 20 mil brasileiros em 2019, de acordo com dados do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos.

A família, que havia saído do Brasil em busca de “oportunidade de crescimento”, viu sua renda minguar com a pandemia. Marina, que limpava até cinco casas por dia, foi obrigada a ficar “dois meses parada”. A maior parte dos clientes suspendeu o pagamento, mas alguns o mantiveram “porque eles sabem da minha real situação, que o governo não me ajuda, eu tenho dois filhos e continuo tendo despesas”.