“Se você acha que a educação é cara, imagine a ignorância” é uma frase cujo sentido permanece íntegro.

Esta frase é o que me veio à mente ao receber um vídeo publicado na mídia social sobre trabalhadores religiosos ilegais e a possibilidade de legalização. O título do vídeo? “Funcionários de instituição religiosa podem pedir green card mesmo SEM STATUS!”

O vídeo é, no mínimo, absurdo.

Foi retirado do ar, mas não antes de termos baixado o mesmo e guardado em servidores em mais de um local no mundo.

O tema em foco são os trabalhadores religiosos e sua possibilidade de legalização permanente, que é o green card via EB-4, hoje com uma fila de espera de 51 meses, ou seja, mais de quatro anos.

O vídeo cita as seguintes frases, dentre outras, sobre o trabalhador religioso: (1) “Mesmo eles tendo ficado fora de status, independente do tempo que elas ficaram fora de status”. (2) “Mesmo que tenha perdido status em algum momento”. (3) “Biden abriu essa prerrogativa (…) até 8 de março”. (4) “I-485 normal, não tem nenhum problema”.

Surreal!

A categoria de trabalhador religioso existe desde 1990. Ela é dividida entre trabalhador ministerial (pastores, ministros etc.) e trabalhador não-ministerial (funções de vocação ou ocupação religiosa, profissional ou não).

A previsão legal do trabalhador ministerial está prevista permanentemente na lei, desde sua instituição. Já a do trabalhador não-ministerial foi instituída por um período de validade de três anos e, desde então, vem sendo renovada em períodos, normalmente atrelada à lei orçamentária federal.

É nesta categoria que vamos nos concentrar, a de trabalhadores não-ministeriais, foco do infeliz vídeo publicado.

A lei que criou esta categoria estabeleceu que o trabalhador religioso pode imigrar para os EUA desde que tenha pelo menos dois anos de trabalhos efetuados para a peticionária instituição religiosa americana ou para uma de suas subsidiárias ou afiliadas religiosas (entidades que seguem a mesma denominação religiosa da peticionária americana).

O regulamento, por sua vez, estabeleceu que os trabalhos religiosos de dois anos deveriam ser autorizados pelo serviço de imigração (USCIS) e não poderiam contar caso o trabalho fosse ilegal, sem essa autorização da imigração.

Isso foi contestado na justiça por muitos anos e a decisão judicial estabeleceu que existia discrepância entre a lei (ordem superior) e o regulamento (ordem inferior), de sorte que não se poderia exigir que o trabalho tivesse sido autorizado pelo governo, por uma questão de hierarquia das normas.

Isso é antigo e até existe posicionamento escrito do USCIS a respeito. Não só advogados, mas qualquer pessoa pode procurar e encontrar esta manifestação do governo.

Neste posicionamento escrito do USCIS está claro que, apesar de o trabalho passado não precisar ser autorizado, o estrangeiro que trabalhou sem autorização ou que está sem status no país, não pode ajustar status, pois é considerado inadmissível nos EUA, idêntico critério que também impede quem está fora dos EUA de receber o visto de imigrante.

Portanto, apesar de legalmente não existir a exigência de que o trabalho religioso seja autorizado pelo governo, certo é que o estrangeiro não poderá ter violado seu status imigratório para receber o green card por ajuste de status ou pela via consular.

Assim, voltando às frases do vídeo:
(1) “Mesmo eles tendo ficado fora de status, independente do tempo que elas ficaram fora de status”. MENTIRA.
(2) “Mesmo que tenha perdido status em algum momento”. MENTIRA.
(3) “Biden abriu essa prerrogativa (…) até 8/março”. NÃO, ELE NÃO ABRIU PORQUE NÃO TEM PODER LEGAL PARA ISSO. O CONGRESSO APROVOU A LEI ORÇAMENTÁRIA FEDERAL ATÉ 8 DE MARÇO DE 2024 E NELA ESTÁ ATRELADA A PRORROGAÇÃO DA LEI IMIGRATÓRIA DE TRABALHADORES NÃO-RELIGIOSOS. BIDEN APENAS ASSINOU A ENTRADA EM VIGOR DA LEI APROVADA PELO CONGRESSO.
(4) “I-485 normal, não tem nenhum problema”. MENTIRA.

O objetivo é alertar o público para não acreditar em qualquer coisa veiculada na mídia social, principalmente se parece muito bom para ser verdade.

A lei é a mesma para todos e não se aplica apenas por quem corre a postar qualquer patacoada na mídia social.

Desconfiem. Questionem. Consultem mais de um profissional, mas não consultem vendedores, consultem profissionais sérios.

Assistir um vídeo desses, veiculado por pessoa licenciada para advogar, levanta a seguinte pergunta: a pessoa agiu de má-fé ou é apenas apedeuta?

Deixo ao leitor tirar suas próprias conclusões.

A informação contida neste artigo constitui mera informação legal genérica e não deve ser entendida como aconselhamento legal para situações fáticas concretas e específicas. Se você precisa de aconselhamento legal, consulte sempre um advogado licenciado e membro da organização de classe (The Bar) do Estado onde você reside.